Crescemos ouvindo os mais velhos falarem que “uma coisa leva à outra”. E o senso comum sabe que existe a lei da ação e da reação, chamam ela de lei da vida: causa e efeito. Na prática, o cultivo da terra ensina essa lição, semeamos, cuidamos e colhemos (e podemos perder tudo pois sempre estamos sujeitos a intempéries climáticas e pragas).
Na sociologia é mais ou menos assim, começamos a estudar um comportamento da sociedade ou uma opinião e aprendemos que ambos podem ter relação com uma experiência anterior ou pela influência do outro.
Quando escrevo sobre esse tema tenho em mente os estudos sobre a ampliação da intolerância. Temos visto a intolerância se mostrar na cena pública e ganhar força nas redes sociais, com destaque para o Twitter. E a intolerância traz como escudo uma narrativa de desqualificação do outro, até mesmo de forma obscena (com muitos palavrões) e a essência da radicalidade e do preconceito, com o argumento de libertação do politicamente correto.
Entender esse comportamento crescente é um desafio dos cientistas sociais do IPO – Instituto Pesquisas de Opinião. E todo desafio traz consigo uma jornada e essa é uma jornada instigante, mas muito preocupante.
Preocupante, pois esse comportamento não está assentado apenas em ideologia. Os que são ideológicos defendem uma mescla de conservadorismo nos costumes e liberalismo econômico.
Mas o que move grande parte das pessoas intolerantes não é uma crença na política governamental, elas são motivadas pela dor, pelo sofrimento! Elas sofreram ou ainda sofrem com a ausência ou ineficiência do Estado. Perderam pessoas que amavam no trânsito, perderam pessoas que amavam para violência, perderam pessoas que amavam para ineficácia dos serviços de saúde. E ficam ressentidas ao ver as notícias sobre os recursos públicos desviados e ter que sair de casa e viver os dilemas do cotidiano, cruzando com obras paradas e não sabendo o dia de amanhã.
São pessoas que até pouco tempo se caracterizavam como céticas em relação à política (tinham dúvidas, frustrações, mas buscavam acreditar). Diante da ampliação da corrupção e do descaso do Estado essas pessoas passaram a negar a política. Com base em experiências ruins e pela influência de sucessivos escândalos chegaram à conclusão de que os políticos não prestam e para se defender adotaram um raciocínio dicotômico: apoiam um salvador acreditando que ele irá combater o mal que está presente em todos que forem contrários às suas ideias.
Esse fenômeno ocorre em vários países, mas, no caso do Brasil, boa parte das pessoas intolerantes é representada por partes do discurso do presidente. Utilizam as suas frases de efeito como salvo-conduto para reforçar a sua indignação. E o interessante é que cada um se conecta com a narrativa que lhe convém, ou melhor, com o discurso que é reconhecido por sua dor ou por seu sofrimento.
Um exemplo é o grau de aprovação da frase “bandido bom é bandido morto”. Dentre os gaúchos, 44,7% concordam, 44,9% discordam e 10,4% não sabem avaliar. Quando uma pessoa sofre com a criminalidade, não quer saber se o conceito de furto é diferente de roubo e não quer ouvir que a polícia não tem viaturas para atender. Essa pessoa quer ser protegida, quer ter paz e sossego para caminhar nas ruas e, principalmente, quer conseguir dormir sem medo à noite. E vai se identificar, vai apoiar discursos contra a origem do mal: o criminoso.
http://www.coletiva.net/author/elis/index.jhtml
Elis Radmann é cientista social e política. Fundou o IPO – Instituto Pesquisas de Opinião em 1996. Utilizando a ciência como vocação e formação, se tornou uma especialista em comportamento da sociedade. Socióloga (MTb 721), obteve o Bacharel em Ciências Sociais na UFPel e tem especialização em Ciência Política pela mesma universidade. Mestre em Ciência Política pela UFRGS e professora universitária, Elis é diretora e Conselheira da Associação Brasileira de Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia (ASBPM) www.asbpm.org.br