Leia abaixo, na íntegra a entrevista que nossa Diretora Elis Radmann concedeu ao IFCH – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
O Instituto de Pesquisa de Opinião,o IPO, foi fundado por Elis Radmann, cientista política e CEO. Essa instituição traz consigo uma bagagem acadêmica de peso, com raízes no IFCH (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas). Em entrevista, Radmann revelou sua trajetória, desde a influência dos professores do IFCH em sua formação até a criação da empresa.
Durante a graduação na UFPel, ela se encantou com os textos produzidos pelos professores do IFCH, que navegavam habilmente na realidade social, trazendo dados de pesquisa e conexões teóricas palpáveis. Foi no mestrado em Ciência Política do IFCH que ela desenvolveu uma dissertação pioneira sobre o comportamento do eleitor brasileiro, ampliando sua capacidade técnica e analítica.
Elis teve coragem para fundar o IPO em um mercado dominado por empresas com padrões rígidos. Ela optou por trazer a ciência e o arcabouço teórico da academia para personalizar e customizar os projetos de pesquisa, desafiando a narrativa hegemônica. Com 27 anos de experiência, o IPO se destaca pela sua essência e pela habilidade de conciliar ciência com análise estratégica, fornecendo informações fundamentais para tomadas de decisão em diversas áreas.
Confira abaixo a entrevista:
- Por que escolheu cursar Ciência Política e qual a relevância do IFCH nessa decisão?
Na graduação comecei a ler os textos produzidos pelos professores do IFCH especialmente as obras dos professores Marcello Baquero, Hélgio Trindade e Céli Pinto. A produção da época navegava com propriedade na realidade social, trazendo dados de pesquisa ou fazendo conexões teóricas palpáveis.
No meio da graduação me tornei bolsista CNPQ sob orientação da professora Maria Amélia Dias da Costa (também egressa do IFCH) e passei a me dedicar a projetos de pesquisa no ISP (Instituto de Sociologia e Política da UFPel), viajando a congressos e visitando os professores do IFCH atrás de bibliografias e orientações. Atualmente, esse depoimento pode parecer estranho, mas naquela época tínhamos apenas o correio, o telefone e o contato presencial para trocar conhecimentos.
Essa caminhada culminou em uma monografia sobre o comportamento político-eleitoral das classes sociais em Pelotas em 1995 e sedimentou meu interesse pela carreira de cientista política e pelo mestrado em ciência política do IFCH.
- Durante o seu mestrado em Ciência Política, você desenvolveu alguma pesquisa específica que teve um impacto significativo em sua carreira ou área de atuação?
Quando ingressei no mestrado já tinha fundado o IPO – Instituto Pesquisas de Opinião – e os conhecimentos adquiridos até então me permitiram atender vários candidatos nas eleições de 1996.
A jornada do mestrado e a orientação do professor Marcello Baquero contribuíram e ampliaram minha capacidade técnica e analítica. Minha dissertação de mestrado foi sobre o comportamento do eleitor brasileiro, perpassando as principais teorias do comportamento eleitoral e analisando dados de comportamento do eleitor, em diferentes cidades.
O mestrado foi crucial em meu desenvolvimento, me permitindo compreender que um questionário não é apenas um conjunto de perguntas montadas com base em hipóteses. Por trás de um questionário/roteiro há uma epistemologia e também uma visão de mundo.
- Sendo a fundadora e CEO da IPO (Instituto Pesquisas de Opinião), como foi a parte de criação da empresa e quais foram as principais dificuldades enfrentadas?
A criação da empresa foi um grande desafio. Começou pelo nome, inspirado em Pierre Bourdieu, no texto “A Opinião Pública não existe”. Na época as empresas de pesquisa não utilizavam mais o termo “instituto”. Fui contra a tendência e acabei motivando ou resgatando uma nova tendência, depois da consolidação do IPO, muitas empresas de pesquisa retomaram o termo.
Depois esbarrou no padrão imposto pelo mercado. Na época, o IBOPE já era verbete de dicionário e mantinha um padrão da pesquisa industrial, tudo dentro de “formas” com uma narrativa hegemônica de que seus métodos e formas eram a única maneira de realizar uma pesquisa, era comum ouvirmos “mas o IBOPE não faz assim”. Então o IPO entra neste mercado com a égide da ciência, com o arcabouço teórico da academia e vai personalizar, customizar os seus projetos, de acordo com o tema em questão e argumentando para o mercado que determinadas práticas não tinham sustentação técnica e teórica, inclusive citando autores e produções acadêmicas do IFCH em seus projetos de pesquisa.
Esta decisão diminuiu nossas oportunidades no mundo da aparência (mundo marketing), mas manteve nossa essência!
Confesso que não é nada fácil nadar contra a correnteza, mas se fosse hoje, não faria diferente. Este ano completamos 27 anos com o slogan: ciência para tomada de decisão! Quando o mercado nos contrata, sabe que está contratando o IPO, como uma empresa que consegue conciliar ciência com análise estratégica.
- Quais são as principais áreas de pesquisa em que você trabalha dentro da Instituição e quais são os principais desafios que enfrenta nesse campo?
Olhamos para a opinião pública em sua plenitude, de forma holística. Nosso mantra é que as pessoas emitem opinião e a opinião move o mundo. Também pode ser ao contrário, o mundo se move e altera a opinião das pessoas. Nossa tarefa é compreender a opinião das pessoas em vários campos:
- pesquisas de opinião e política, https://ipo.inf.br/pesquisa-de-opiniao-e-politica/
- pesquisa de mercado e consumo,
- pesquisa por demanda, customizadas conforme o problema de pesquisa.
- Você poderia compartilhar conosco algum projeto de pesquisa recente que tenha realizado no Instituto Pesquisas de Opinião? Qual foi o objetivo desse projeto e quais foram os principais resultados obtidos?
A maior parte dos nossos estudos são privados, ficam no “cofre dos clientes”, pois são utilizados para tomada de decisão, subsidiando planos, ações e estratégias. Com o crescimento exponencial das redes sociais, as pesquisas também são utilizadas para compreensão da experiência, jornada ou até mesmo embasamento de narrativas.
Mas temos algumas grandes contribuições em pesquisas nacionais e estaduais que são públicas. Alguns cases básicos estão disponíveis em https://ipo.inf.br/banco-de-dados/.
Em 2002 participamos da execução da PESB (Pesquisa Social Brasileira) em parceria com o cientista político Alberto Carlos Almeida, 20 anos depois tivemos a oportunidade de rodar a segunda versão da PESB.
A PESB é uma pesquisa sobre os valores mais enraizados da sociedade brasileira, o que na língua inglesa é denominado de core values. Estas visões de mundo se alteram muito lentamente, em geral, devido à substituição de gerações mais velhas pelas mais jovens. Veja um relato sobre a experiência da PESB em https://www.coletiva.net/colunas/quanto-a-sociedade-muda-em-20-anos,421738.jhtml.
Mais informações podem ser acessadas no site do projeto: https://acabecadobrasileiro.com.br/pesb-2022-23/
- Em relação ao comportamento social e eleitoral, quais são as principais tendências ou padrões que você tem observado em suas pesquisas?
Vivemos um momento histórico em que muitas pessoas querem ser ouvidas, mas poucas querem ouvir e um número menor quer responder pesquisas de opinião ou participar de grupos focais. Sempre digo no IPO, precisamos de paciência para observar e compreender os motivos da impaciência da sociedade.
A vida está cada vez mais agitada. Corremos de um lado para o outro, com muitos afazeres: estudo, trabalho, compromissos pessoais e familiares, lazer, cuidados com a saúde, etc. Vivemos na era da informação. Estamos sempre conectados ao mundo digital e quanto mais conteúdo temos à nossa disposição, maior é a falta de paciência e a tolerância com aquilo que não faz parte de nossa cultura, que não pertence a nossa “bolha digital” ou que não entendemos.
Essa realidade conjuntural e estrutural, que nos coloca no meio de uma revolução digital e tecnológica, altera muito o humor da sociedade e as suas tendências. Pensando nas quase três décadas de trabalho do IPO, fica claro que o comportamento da sociedade está sendo cada vez mais influenciado pelo conjunto de agendas políticas, por pautas pontuais e pelos movimentos dos algoritmos.
Fazer pesquisa em um cenário em que a pesquisa passou a receber rótulos críticos e ideológicos não é fácil, exige uma atualização constante dos argumentos, exigindo mais empatia e resiliência. Neste artigo falo sobre a arte de fazer pesquisa nos dias atuais: https://www.coletiva.net/colunas/a-arte-de-fazer-pesquisa,428574.jhtml
- Como as pesquisas sociais e de mercado podem contribuir para uma melhor compreensão da sociedade e auxiliar na tomada de decisões políticas e estratégicas?
As pesquisas sociais e de mercado estão sempre medindo o “pulso social”. São ferramentas essenciais nas gestões de crise, contribuem com o posicionamento de um candidato ou de uma marca, conseguem descrever as mudanças comportamentais, a alteração dos valores morais, econômicos e ideológicos da sociedade e entender até a jornada de compra.
E o mais bacana, quando parece que já aprendemos muita coisa sobre a sociedade, rodamos uma nova pesquisa e vemos que muita coisa se alterou em um curto espaço de tempo e que o conhecimento é uma eterna angústia. Quanto mais caminhamos em direção ao conhecimento, maior a consciência de que temos um conhecimento muito limitado sobre a complexidade da vida em sociedade.
E isso ocorre porque a sociedade está em constante mudança e a inserção das tecnologias ao tecido social está acelerando as mudanças, não necessariamente de forma positiva.
- Quais são suas perspectivas futuras em termos de pesquisa e trabalho na área de sociologia e pesquisa de opinião?
É preciso ter claro que o mercado de pesquisa de opinião é pouco explorado na área da sociologia. Há vários espaços neste mercado, para além dos institutos de pesquisa, que também carecem de profissionais com prática em pesquisa.
Uma das grandes oportunidades diz respeito ao entendimento que o sociólogo precisa se preparar para atuar como analista de dados e ter a capacidade de guiar as leituras que serão postas pela inteligência artificial. Cabe à ciência social e política saber fazer as perguntas mais pertinentes, incluir variáveis de controle e saber interpretar a base das tendências. Além de analisar o mundo a partir dos ensinamentos da revolução industrial, temos que estar junto ou à frente para compreender e descrever a revolução digital e tecnológica na qual estamos inseridos.
- Quais sugestões você daria aos alunos do IFCH que estão pensando em montar um negócio?
Em primeiro lugar, é necessário amar a profissão. Não é atoa que se diz, “que para ser feliz é necessário amor ao que se faz”.
O segundo ensinamento de nossa área é saber compreender, é ter consciência clara do que é ideologia e do que é epistemologia. É saber ler os clássicos e transcender a luta de classes, olhar mais para o método do que para a visão de mundo.
Dominando os dois primeiros passos, tem-se a base para empreender. Os próximos passos estão associados ao entendimento das ciências que nos trazem soluções integradas para empreender. Ter noções básicas de gestão, de administração de um negócio, de marketing e conseguir ter uma visão disruptiva, que é distinta a academia. Na academia compreendemos e explicamos os movimentos depois que eles acontecem. No mercado, temos que usar a ciência para predizer a tendência e trazer os insumos para que os profissionais do marketing ou da gestão possam intervir ou até modificar uma tendência em curso.
É entender que o cientista social e político pode ser um profissional do mercado, atender ao mercado, sem perder a consciência do papel deste mercado na realidade social em que vivemos.