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O jeitinho faz o errado virar certo

Muitas vezes se dá um jeitinho, sem saber que se está dando um “jeitinho”. A frase parece redundante, mas representa a realidade. O jeitinho brasileiro é a capacidade de resolver problemas ou tarefas utilizando subterfúgios, burlando regras, utilizando-se de redes de relacionamentos e tirando vantagens pessoais. Como a nossa cultura política é de negação e desinteresse, colocamos a culpa nos políticos e passamos a fazer o que achamos, sem levar em consideração as regras, sem observar os limites e as orientações, sem se preocupar que o direito de um termina quando começa o do outro.

A prática do jeitinho deturpa a moral e confunde a sociedade, fazendo com que o certo vire errado e o errado vire certo. Para ser mais clara, vou ilustrar com uma história pessoal. Quando minha filha tinha uns 11 anos de idade, uma professora me perguntou por que ela não tinha rede social, porque não tinha uma página no Facebook? Afinal de contas, a maioria dos seus colegas já tinham.

Minha resposta foi direta: porque a política de uso das redes sociais não permite que menores de 13 anos utilizem redes sociais. Só pode ter página no Facebook e no Instagram crianças com idade igual ou superior a 13 anos e que isso ficava claro quando se colocava a idade no sistema. A professora prontamente me orientou que bastava alterar a idade da criança que o problema estaria resolvido.

Aproveitei a oportunidade para fazer uma reflexão com a professora. Se existe uma regra no sistema e que está associada a uma política de uso de redes sociais, como posso pensar em quebrar a regra adulterando a idade? Dando esse jeitinho brasileiro eu estaria ensinando a minha filha a burlar uma regra com a prática de um crime, pois adulterar uma informação é como gerar uma declaração falsa, que poderia ser enquadrada como crime de falsidade ideológica. O crime de falsidade ideológica é quando se utiliza um documento ou uma declaração falsa para alterar um direito, prejudicando ou favorecendo alguém.

Claro que a professora ficou desconcertada e não tinha pensado na complexidade da situação, afinal de contas, é tão comum alterar a idade para burlar o sistema, é tão comum ver crianças com páginas no Facebook ou no Instagram. Esse é um exemplo prático que mostra que, quando o errado vira certo, faz com que os pais não tenham noção de que estão expondo seus filhos a todos os riscos da internet.

Tanto o Facebook quanto o Instagram recebem denúncias de páginas com menores de 13 anos e, após avaliação do moderador, esses perfis podem ser excluídos. Como o jeitinho permite que o errado vire certo, olhamos as páginas de crianças e fazemos de conta que está tudo certo.

No caso do WhatsApp, a orientação do sistema é que o mesmo não seja utilizado por menores de 16 anos. Nos Termos de Serviço, o aplicativo deixa claro a exigência da idade mínima. Mas a maioria dos pais desconhece ou ignora essa regra.

Os grupos de Whats são a sensação das crianças e adolescentes, pois toda a criança gosta de se sentir como um adulto. E ter um Whats permite a uma criança falar com o seu amigo no horário que quiser sem ter a permissão dos pais. Mas também favorece que a mesma criança/adolescente receba vídeos que dão a entender que a “Dancinha da Rasteira” (Quebra-crânio) é uma coisa bacana, sem se dar conta de que é uma “modinha” que pode matar, como ocorreu na Escola Municipal Antônio Fagundes, em Mossoró, no Rio Grande do Norte.

https://www.coletiva.net/colunas/o-jeitinho-faz-o-errado-virar-certo,349957.jhtml

Elis Radmann é cientista social e política. Fundou o IPO – Instituto Pesquisas de Opinião em 1996. Utilizando a ciência como vocação e formação, se tornou uma especialista em comportamento da sociedade. Socióloga (MTb 721), obteve o Bacharel em Ciências Sociais na UFPel e tem especialização em Ciência Política pela mesma universidade. Mestre em Ciência Política pela UFRGS e professora universitária, Elis é diretora e Conselheira da Associação Brasileira de Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia (ASBPM) www.asbpm.org.br

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