Nas pesquisas realizadas pelo IPO – Instituto Pesquisas de Opinião é corrente as reflexões dos eleitores em relação à origem do comportamento permissivo da maioria dos políticos: “Os atuais políticos que nasceram da sociedade foram contaminados pelo vírus da corrupção no exercício do poder ou já subiram ao poder com o vírus do jeitinho brasileiro?”.
É uma reflexão angustiante pela premissa de que o eleitor pode “tirar quem está lá e colocar outro com a mesma fragilidade de caráter e cair na lógica do seis por meia dúzia”.
Mas como equacionamos este dilema?
De um lado a democracia pressupõe participação popular e exercício da cidadania. Para tanto, tem-se instrumentos democráticos como o voto, o referendo, o plebiscito e a iniciativa popular. São instrumentos que possibilitam o exercício da cidadania, o direito das pessoas contribuírem para o avanço dos direitos coletivos e difusos (de natureza indivisível, que não é de ninguém e é de todos).
Para acessar estes instrumentos, a democracia representativa pressupõe representação, na prática as pessoas precisam se organizar em grupos: pais (associação escolar), moradores (associação de bairro), profissionais (sindicatos, associações), cidadãos (movimentos sociais, ONGs, partidos), etc. Para se ter ‘vez e voz’, tem que ter debate, tem que ter embate, tem que ter divergência e tem que ter convergência da maioria. É assim que a democracia foi idealizada!
Mas, de outro lado, na prática, temos uma cultura política que nega a política e que historicamente foi aleijada da participação popular, “não foi ensinada a fazer debate e muito menos embate”.
Na primeira instituição social que é a família, critica-se a participação e os partidos. Na segunda instituição social, que é a escola, apregoa-se a ‘lei da mordaça’, e, no cotidiano, os comportamentos individuais se destacam em detrimento do coletivo. O interesse pessoal se torna mais forte do que o interesse público e o jeitinho brasileiro vai se tornando uma prática endêmica e sendo a base motivadora de comportamentos corruptos.
Vamos a um exercício básico sobre o ‘jeitinho brasileiro’. Você sai ileso dos 10 testes abaixo?
– Não dar ou pedir nota fiscal;
– Não declarar imposto de renda;
– Tentar subornar o guarda para evitar multas;
– Falsificar carteirinha de estudante;
– Dar ou aceitar troco errado;
– Roubar sinal de TV a cabo;
– Furar fila;
– Comprar produtos falsificados;
– Bater o ponto pelo colega no trabalho;
– Falsificar assinaturas.
Entre os anos de 2014 e 2017, verificou-se um aumento do reconhecimento da prática do ‘jeitinho’. Durante esse período, passou de 45% para 60% o percentual de gaúchos que afirmaram a realização de alguma das práticas listadas acima, visando ao autobenefício e reconhecendo que a ação praticada pode ter prejudicado outra pessoa.
Esta variação não permite dizer que houve apenas o aumento da prática do “jeitinho”. A indignação social em torno da política também ampliou o debate sobre os males que afetam a sociedade e, dentre eles, a premissa de que o ‘jeitinho’ favorece e até nebula a corrupção.
E o reconhecimento da prática do jeitinho brasileiro implica em uma maior consciência sobre o tema: os políticos nascem na sociedade e refletem as práticas e o comportamento dela.
Para construirmos uma política que vise ao bem comum e termos uma prática de participação e fiscalização, temos que repensar nossos valores, nossas práticas e a educação que damos aos nossos filhos.
https://www.coletiva.net/colunas/o-eleitor-e-vitima-e-cumplice,276186.jhtml
Elis Radmann é cientista social e política. Fundou o IPO – Instituto Pesquisas de Opinião em 1996. Utilizando a ciência como vocação e formação, se tornou uma especialista em comportamento da sociedade. Socióloga (MTb 721), obteve o Bacharel em Ciências Sociais na UFPel e tem especialização em Ciência Política pela mesma universidade. Mestre em Ciência Política pela UFRGS e professora universitária, Elis é diretora e Conselheira da Associação Brasileira de Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia (ASBPM) www.asbpm.org.br