Minha coluna está completando uma trilogia sobre a visão conflitante que os políticos possuem dos eleitores e vice-versa.
Os representantes do povo relatam suas conquistas, as melhorias que realizam nos serviços públicos ou se vangloriam sobre os recursos que investiram no sistema público, em áreas como saúde, educação, infraestrutura ou segurança.
Há políticos que têm consciência de que fazem muito pouco, tendo em vista a demanda social. Há aqueles que defendem que não “fazem mais” em função dos vícios e dos interesses enraizados no sistema público (tendência de manutenção do status quo, disputas políticas, burocracia, corporações, etc). E há aqueles políticos que avaliam que a população não reconhece o que é feito.
E o eleitor que vive o dia a dia e utiliza os serviços públicos não consegue entender por que, na gestão pública, o simples fica difícil e o fácil fica complexo. Na percepção de muitos eleitores, a estrutura pública parece ter um fim em si mesma. Quem domina a regra, quem conhece a lei ou quem tem o devido “contato” pode exigir os seus direitos.
Na sabedoria popular, tudo seria diferente se o gestor do serviço público utilizasse o serviço público. Não faz sentido para a população que o funcionário e, muito menos, o político, coloquem seus filhos em escolas particulares ou tenham planos de saúde. O princípio é simples e lógico: quem cuida do público tem que usar o que cuida!
O grande desejo da população é que houvesse uma legislação que obrigasse os gestores públicos (concursados ou eletivos) a utilizar apenas os serviços públicos.
Para os eleitores, a educação seria outra se os filhos dos vereadores, do prefeito, dos promotores, dos diretores de escola, entre outros, utilizassem a escola pública. Haveria maior comprometimento e envolvimento dos gestores públicos na gestão e na fiscalização. Imagine o filho de um político ou servidor público chegando em casa e contando que veio mais cedo da aula porque não havia professor de matemática?
Imagine se os políticos e os servidores públicos tivessem que usar apenas o sistema público de saúde, o SUS? E isso valeria para todos os níveis da federação, não importa se é prefeito, governador ou presidente, teria que usar o SUS. O sistema judiciário também, não importa se é promotor, juiz ou desembargador. O mesmo valeria para o legislativo, tanto os vereadores, deputados como os senadores teriam que usar o SUS.
No sentimento popular, não haveriam UPAs inacabadas se os gestores públicos precisassem delas. Não haveria equipamentos quebrados se os gestores públicos tivessem que utilizar exames do SUS. E, principalmente, seria menor a chance de conivência com má administração de recursos ou corrupção. Os gestores públicos seriam naturalmente estimulados a fiscalizar, a zelar por aquilo que eles mesmos irão precisar.
Se os políticos e servidores públicos utilizassem o que administram, teriam mais empatia com a população e mais cuidado com o planejamento dos recursos, diminuindo as verbas que são destinadas aos contracheques dos gestores públicos, que usam o dinheiro público para pagar serviços privados (como auxílio creche, saúde, moradia e até auxílio funeral).
Se, por princípio, todos são iguais perante a lei, os gestores públicos (sejam concursados ou eleitos) teriam que fazer o controle de qualidade daquilo que administram, e a melhor forma seria utilizando os serviços que planejam e cuidam.
http://www.coletiva.net/colunas/e-se-os-politicos-usassem-apenas-os-servicos-publicos,320624.jhtml
Elis Radmann é cientista social e política. Fundou o IPO – Instituto Pesquisas de Opinião em 1996. Utilizando a ciência como vocação e formação, se tornou uma especialista em comportamento da sociedade. Socióloga (MTb 721), obteve o Bacharel em Ciências Sociais na UFPel e tem especialização em Ciência Política pela mesma universidade. Mestre em Ciência Política pela UFRGS e professora universitária, Elis é diretora e Conselheira da Associação Brasileira de Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia (ASBPM) www.asbpm.org.br