Como entender o voto em Lula

É recorrente chegar, a um instituto de pesquisas como o IPO, questionamentos sobre os motivos pelos quais os eleitores intencionam votar em Lula, mesmo diante de processos e de uma condenação.

Para entender este fenômeno, excluindo os eleitores com relação orgânica ou histórica com o PT, é importante observar duas vertentes de análise:

a) cultura política vigente no País;

b) o papel dos programas sociais de Lula.

Em termos de cultura política temos como cerne todos os vícios do clientelismo, do personalismo e do patrimonialismo. Esta cultura política foi reforçada pela premissa da corrupção endêmica (ativada pela operação Lava Jato) e ampliou a desconfiança, o ceticismo e a descrença da população em relação aos políticos e a política. O eleitor que antes dizia que não gostava de política, hoje não quer nem ouvir falar sobre a mesma.

Atualmente, a maior parte dos brasileiros não confia nos partidos políticos. Não confia em nenhum partido! Os eleitores não confiam na maior parte das instituições de representação política, como as Assembleias Legislativas e o Congresso Nacional.

Ora, se o voto personalista se constituiu como a égide da decisão eleitoral e a percepção que vigora é a de que todos os políticos são corruptos, como o eleitor faz para diferenciar? A decisão do eleitor, que se mantém distante da política e vota em Lula, parte do pressuposto que todos os políticos se preocupam com seus interesses próprios e a diferença está naquele que além de buscar os seus interesses pessoais, também se preocupa com a população: a antiga premissa Ademarista do rouba, mas faz.

Diante desta lógica cultural que equanimiza a maior parte dos eleitores de Lula, solidificam-se dois fenômenos que se fundem entre si e justificam o voto no petista:

a) a percepção de dignidade humana = é preciso ter em mente que boa parte do eleitorado de Lula recebeu algum benefício oriundo de políticas públicas, através de programas sociais. Nas entrevistas qualitativas o eleitor de Lula sempre conta uma história de vida que tem como base a mobilidade social. Esta mobilidade traz consigo o atributo da dignidade que aparece em vários tipos de relatos:

Imagine um trabalhador braçal semianalfabeto que vê seu filho ingressar na Universidade pelo ProUni

Um trabalhador que atua há anos como auxiliar de serviços gerais e faz um curso do Pronatec: sente-se um profissional e passa a ter uma identidade como trabalhador.

Um morador de periferia que mora de favor na casa de parentes ou em sub habitação e consegue a sua moradia no programa Minha Casa, Minha Vida.

b) Quem ganha dignidade retribui com gratidão = Os eleitores que receberam benefícios sociais tiveram melhorias na sua qualidade de vida e, por consequência, na sua autoestima, sentiram-se respeitados ou tiveram o reconhecimento público de seus pares, se sentiram valorizados. Esta dignidade motiva um sentimento de gratidão e, este sentimento, se materializa na intenção de voto em Lula.

Para uma grande parcela da população é difícil de entender porque uma outra grande parcela do eleitorado continua destinando seu voto em Lula. O que parece não fazer sentido, está imbuído de sentido e de sentimento.

https://www.coletiva.net/colunas/como-entender-o-voto-em-lula,234395.jhtml

Elis Radmann é cientista social e política. Fundou o IPO – Instituto Pesquisas de Opinião em 1996. Utilizando a ciência como vocação e formação, se tornou uma especialista em comportamento da sociedade. Socióloga (MTb 721), obteve o Bacharel em Ciências Sociais na UFPel e tem especialização em Ciência Política pela mesma universidade. Mestre em Ciência Política pela UFRGS e professora universitária, Elis é diretora e Conselheira da Associação Brasileira de Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia (ASBPM) www.asbpm.org.br

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