Guardo na memória um dia ímpar em minha trajetória como pesquisadora. Estávamos fazendo um estudo sobre classes sociais, avaliando a percepção dos entrevistados sobre si mesmos e o seu comportamento de consumo.
Era uma pesquisa qualitativa e foram montados grupos focais (significa que reunimos umas oito pessoas, nesse caso com as mesmas características, para falar sobre o tema durante umas duas horas). Separamos os grupos focais por renda. O meu primeiro grupo era composto por pessoas que viviam com menos de um salário mínimo, em especial, beneficiários do programa Bolsa Família.
Uma das primeiras perguntas era sobre a pobreza, como poderia saber que uma pessoa é pobre? Como eles faziam para classificar?
O grupo foi unânime: uma pessoa pobre é uma pessoa que não tem renda, capacidade de comprar o que precisa. Na prática, estavam me dizendo que não se classificavam como pobres, pois o pobre era alguém que ganhava menos do que eles.
Esse tema voltou à minha mente quando vi a divulgação de uma pesquisa nacional realizada pelo Datafolha, para a ONG OXFAM, realizada em fevereiro de 2019.
A pesquisa solicitou que o entrevistado se autoclassificasse em uma classe, aplicando a seguinte pergunta: Considerando sua renda e padrão de vida, você se considera em qual dos seguintes grupos?
– 16% dos brasileiros se consideram pobres;
– 49% se consideram de classe média baixa;
– 32% se classificam como classe média;
– 2% como classe alta.
Tendo como ponto de corte os últimos cinco anos, a maioria acredita que a situação do País tem dificultado a mobilidade social, que está associada à leitura de que a vida tem piorado:
– 57% avaliam que não mudaram de classe social nos últimos cinco anos, este fenômeno é mais acentuado na classe média;
– 24% consideram que melhoraram de classe social. Em especial, dentre os que se classificavam como pobres e passaram a se classificar como classe média baixa;
– 1% não soube avaliar o seu desenvolvimento pessoal.
Na percepção dos brasileiros uma coisa leva a outra. A dificuldade de crescimento está associada às condições financeiras da família, que, por sua vez, limita as oportunidades de trabalho e de estudo, em especial, entre os jovens.
A pesquisa demostrou que o principal desejo do brasileiro para ter uma vida melhor não está associado diretamente à questão econômica. O que o brasileiro quer:
– Fé religiosa 28%;
– Estudo/conhecimento 21%;
– Ter acesso a medicamentos/à saúde 19%;
– Crescer no trabalho 11%;
– Ganhar mais dinheiro 8%;
– Ter acesso à aposentadoria 6%;
– Apoio financeiro da família 5%.
Os entrevistados valorizam o bem-estar, a capacidade de se sentirem bem consigo mesmos. Sendo que a fé, a educação e a saúde se destacam em todas as classes sociais, do mais pobre ao mais rico.
A educação é vista como um tema muito importante. Na percepção da maioria dos brasileiros uma pessoa de família pobre e que trabalha muito, não tem a mesma chance de ter uma vida bem-sucedida, como uma pessoa nascida rica e que também trabalha muito.
A dificuldade de superar este paradigma está associada ao acesso à educação, o conhecimento é considerado como a principal porta para a mobilidade social, que possibilita que o filho de um “operário” se torne um “doutor”. O brasileiro sabe que tal meta nem sempre é possível entre as pessoas com menor renda, tendo em vista a necessidade de subsistir-se, por isso apregoa que se “correr o bicho pega e se ficar o bicho come”.
https://www.coletiva.net/coluna/a-percepcao-do-brasileiro-sobre-si-mesmo,297424.jhtml
Elis Radmann é cientista social e política. Fundou o IPO – Instituto Pesquisas de Opinião em 1996. Utilizando a ciência como vocação e formação, se tornou uma especialista em comportamento da sociedade. Socióloga (MTb 721), obteve o Bacharel em Ciências Sociais na UFPel e tem especialização em Ciência Política pela mesma universidade. Mestre em Ciência Política pela UFRGS e professora universitária, Elis é diretora e Conselheira da Associação Brasileira de Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia (ASBPM) www.asbpm.org.br