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A cultura do cancelamento está sendo ativada no RS

As redes sociais fomentaram a chamada “cultura do cancelamento”. Funciona mais ou menos assim: se você não gosta de algo que alguém fez ou falou ou considera uma conduta reprovável, você faz um vídeo, uma foto ou um meme e marca a empresa ou entidade “responsável” pela pessoa que “errou” e pede uma punição sumária para essa pessoa (como demissão, rompimento de contrato ou até mesmo processo judicial).

De certa forma, é um “julgamento público” que ocorre em um curto espaço de tempo, muitas vezes motivado por forte emoção (como indignação, decepção ou repúdio).

Há casos em que o movimento é natural. Uma pessoa pede a “cabeça” de um profissional ou de uma celebridade e outras pessoas concordam e compartilham da mesma opinião. Nessas situações, há uma identidade com a indignação, sempre motivada por sentimento negativo que incomoda um grupo social ou até mesmo uma visão comum, um ideal de mundo. Poderia ser considerado um movimento legítimo, se não fosse pela intempestividade e cerceamento do direito de defesa de quem é julgado pela internet. Não deixa de ser uma “selvageria digital”, atacando com palavras ofensivas ou injustas.

Mas também há muitas ações orquestradas, em que uma pessoa comum ou um influenciador digital faz uma postagem pedindo o “cancelamento” de alguém e logo depois se vê uma movimentação articulada com comentários condenatórios, hashtag de condenação e uma infinidade de robôs com comentários muito desqualificantes (chegando a ser assustador e desconfortante para quem lê).

Geralmente essas ações são motivadas por uma base ideológica partidária, interesses comerciais/econômicos ou até mesmo interesses pessoais. Na prática é uma ação estratégica ou um “golpe” para desqualificar ou derrubar um profissional ou celebridade, atingindo a sua reputação.

Nesses casos, há uma cascata de comentários negativos que assustam as marcas e as empresas, fazendo com que atitudes sejam tomadas de forma rápida, com o propósito de tentar estancar as críticas. Para tentar se proteger, marcas ou empresas acabam dando a sentença exigida pelo “tribunal da internet”, com o rompimento do contrato, a demissão ou até mesmo a perda de votos (no caso dos políticos).

Quando isso acontece, a cultura do cancelamento é exitosa! Não podemos esquecer que se trata de um ataque à reputação de uma pessoa ou de uma marca de forma sumária, sem direito a defesa, utilizando a recontextualização do marketing de guerra, onde se busca um inimigo, um culpado.

Como cientista social e política que estuda o comportamento da sociedade de forma contínua, compreendo que a “cultura do cancelamento” é resultado de um “empoderamento individualizado” do cidadão que utiliza as redes e age de forma instantânea, repassando toda a sua indignação, descrença ou decepção com tudo o que não concorda, na condenação sumária de algo ou alguém.

Entretanto, o caminho deveria ser inverso! Deveríamos construir elos de união, através da ampliação do respeito, do sentimento de comunidade e de pertencimento. Se não concordamos com a posição ou a postura de alguém, temos que refletir, devemos debater e externar a nossa opinião. A evolução dos seres humanos em uma democracia conectada deve ser construída com a evolução das ideias, com a exposição da divergência e pela busca da convergência.

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Elis Radmann é cientista social e política. Fundou o IPO – Instituto Pesquisas de Opinião em 1996. Utilizando a ciência como vocação e formação, se tornou uma especialista em comportamento da sociedade. Socióloga (MTb 721), obteve o Bacharel em Ciências Sociais na UFPel e tem especialização em Ciência Política pela mesma universidade. Mestre em Ciência Política pela UFRGS e professora universitária, Elis é diretora e Conselheira da Associação Brasileira de Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia (ASBPM) www.asbpm.org.br

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