Quanto mais se “descortina” a operação Lava Jato maior é o acirramento do descrédito e do ceticismo da população e a percepção de que a corrupção é endêmica.
Na visão dos eleitores, historicamente os políticos disputam pleitos para garantir o poder da “troca de favores”: seja para indicar cargos de confiança, conseguir vagas de trabalho para amigos e familiares ou benefícios pessoais com empresários ou até mesmo a propina.
Esta leitura sobre a “troca de favores” percebe a política como algo pessoal, onde os interesses individuais estão acima do bem comum e está é uma visão da maioria da sociedade. Está presente no depoimento estarrecedor de Emílio Odebrecht, no comportamento de muitos políticos, nas declarações de eleitores em grupos focais e em várias práticas cotidianas pelo país afora.
É sabido que o cerne deste dilema se encontra no conceito de reciprocidade. No princípio da reciprocidade destaca-se a “pessoa” e não o “indivíduo”, onde ocorre uma troca que é personalizada por uma pessoa moral. E dentro deste princípio existem diferentes tipos de trocas, que são legitimadas como “algo natural”, que faz parte do dia-a-dia. No princípio da reciprocidade é onde ocorre a fusão entre a representação e a mediação, que espera dos políticos a “atividade de despachantes”.
E a reciprocidade que alimenta a troca de favores, que leva ao jeitinho e a corrupção tem em sua base em outro vício permissivo da política brasileira que é o patrimonialismo, que faz com que o bem público seja tratado como algo pessoal e motiva os demais males do Estado que afetam a sociedade.
Os males que afetam o Estado e prejudicam a sociedade
1º) Corrupção – O mal mais notório neste momento. O problema da corrupção é endêmico e está enraizado nas instituições e na sociedade. É necessário descortinar a corrupção e desenvolver um sistema de debate que construa um regramento assentado em um novo contrato social com a sociedade, onde se pactue o que é certo e o que é errado, incluindo o debate do jeitinho.
2º) Burocratização/ ineficiência dos serviços públicos – Este é um mal que afeta muito a sociedade e estimula o descrédito com os gestores públicos. A população se questiona se a corrupção motiva a ineficiência ou a ineficiência é fruto da corrupção? Não há resposta para esta questão quando se lembra da burocracia e os seus dificultadores. O senso comum acredita que a burocracia significa “estado burro” ou “buromania”, quando é explícito o controle pela “mania” (fruto do interesse pessoal ou descaso) de um funcionário público. E neste campo os relatos do cotidiano permitem que muitos dossiês fossem elaborados.
3º) Privilégios – Este é um dos malefícios que permeiam o Estado e desestimulam a crença da população. É como se para “os amigos tudo e para os demais os rigores da lei”. Quando a população relata seu desalento com os privilégios arrolam desde altos salários até auxílio moradia, mas também a utilização do carro público para fins pessoais, o não cumprimento de horário pelo funcionalismo ou cargos de confiança, a utilização de um espaço público para fins comerciais e assim por diante.
4º) Taxação/ tributação – Este é o mal que fecha o raciocínio do eleitor. Além de haver corrupção, ineficiência de serviços e privilégios a sociedade é constantemente sobretaxada ou tributada para a cobertura dos rombos destes outros malefícios. O debate da tributação transcende os dilemas dos empresários e adentra a sociedade como um todo, com exemplos práticos de uma “bitributação social” em casos como pedágio X IPVA.
O debate sobre a “janela” que queremos ver com o “descortinamento” da operação Lava Jato deve fomentar uma leitura mais holística sobre os males que afetam o Estado e sobre a conexão entre os mesmos. As reformas são vitais e devem “passar o país a limpo” em um curto tempo histórico, e tal ação não poderá ser feita sem envolver a sociedade, caso contrário, mudam as regras, mas não o comportamento/ cultura.