Vamos fazer um exercício no qual você é dono de uma construtora e irá fazer um loteamento de terrenos em um bairro planejado, forma de habitat cada vez mais comum nas nossas cidades, não é mesmo? Antes de comercializar este empreendimento você precisa saber quem é seu público-alvo para que suas vendas sejam um sucesso.
Uma das formas de buscar conhecer e explorar quem é esse público-alvo é através de pesquisa, que pode ter as mais variadas metodologias. Mas quando o objetivo é explorar, ir a fundo a mais usual é a pesquisa qualitativa, que pode ser executada através de várias técnicas: entrevistas em profundidade, grupos focais, pesquisa etnográfica, etc.
Voltando ao nosso exercício inicial você, então dono da construtora, resolve fazer uma pesquisa com método qualitativo. Nela será possível explorar sentimentos, encantamentos, frustrações dos participantes. Esse exercício não é tão fácil quanto parece, precisa de técnica e experiência do pesquisador, nem sempre o que é dito é a mensagem verdadeira, é preciso ter “penso”, ser observador munido de técnica para captar os símbolos, simbologias das linguagens.
Tognolli* (2011), para ilustrar que a análise ocorre para além do discurso, relata um case de adolescentes falando sobre roupas onde proliferam um discurso contra uso de marcas, de grife mencionando que “é coisa de burguês”. Porém, ao observar mais atentamente, todos os jovens estavam vestidos com roupas de marca da moda, com bonés, tênis de fabricantes valorizados. Neste caso, segundo ela, o discurso não se sustentou e os elementos observados fizeram parte da análise, para além das respostas.
A pesquisa qualitativa permite desenhar, delimitar o cotidiano do público-alvo, descrevê-lo como uma persona. Uma série de elementos serão fornecidos com este tipo de estudo, fomentando uma base discursiva para estratégia de venda, que esteja alinhada as expectativas e demandas do consumidor.
Em pesquisa realizada pelo IPO – Instituto Pesquisas de Opinião, com empresa do ramo de construção civil utilizando o método qualitativo, através de grupo focal se constatou que as pessoas que preferem residir em casas sustentam suas preferências por três lógicas principais:
– Privacidade – “Um canto só meu”, principalmente em comparação a apartamentos em que as pessoas dividem áreas comum, além da existência de regras para o convívio;
– Personalidade – a possibilidade de fazer a construção do jeito que deseja, de acordo com o “gosto” de cada um;
– Espaço – que está interligado ao conforto, bem-estar, se relaciona diretamente com o estilo de cada consumidor, associado à sua personalidade e tendência a privacidade. O espaço não se refere a uma metragem específica, ele vai variar de pessoa para pessoa (não é um grande espaço) “é ter o seu espaço”, é uma delimitação de um lugar, aqui há um simbolismo.
Por fim, neste exemplo há três tipos de características que juntas contextualizam a preferência pela casa e irão estar presentes nos argumentos do consumidor. Se este fosse o resultado do nosso exercício, feito lá no início do texto, estes elementos, dentre tantos outros que se cruzam ao longo de um estudo subsidiam desde o planejamento da infraestrutura do empreendimento até a comercialização/ venda.
*TOGNOLLI, Dora. Interpretação e Análise – Pesquisa Qualitativa. In: PERDIGÃO, Dulce Mantella; HERLINGER, Maximiliano; WHITE, Oriana Monarca (orgs.). Teoria e prática da Pesquisa Aplicada. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
Débora Mello. Analista de pesquisa. Dedicada à epistemologia das ciências sociais, atua com afinco na análise de pesquisas qualitativas. Experiente em categorização e em análise de conteúdo, atuou na análise de projetos para: Grupo RBS, Rodoil, UCS, Eletrobras, Celulose Riograndense, entre outros.